Luto no BBB24: entenda o impacto psicológico das eliminações diante do aumento do prêmio
20 / Março / 2024
Professor de Psicologia explica reações comportamentais dos participantes de realities shows como o BBB24 e Round 6: O Desafio
Na última terça-feira (27), o público acompanhou mais uma eliminação de participante da 24ª edição do Big Brother Brasil (BBB24). Além da saída de Rodriguinho, a audiência assistiu a mais um aumento do valor da premiação do programa, que subiu R$ 350 mil com a saída do cantor, atingindo o montante de R$ 1,4 milhão. Enquanto as duas amigas próximas do participante se consolavam pela perda do eliminado, no telão localizado em destaque na área externa da casa, era comemorada a atualização da quantia que será entregue ao vencedor do programa.
A dinâmica de ver o prêmio aumentar após um participante ser eliminado é semelhante ao que ocorre no reality show inspirado na série Round 6, lançada pela Netflix em 2021. Após se tornar a produção mais assistida da história da plataforma de streaming, a trama sangrenta de ficção teve sua segunda temporada anunciada recentemente, em fevereiro. Inspirado na história, o programa Round 6: O Desafio, que confinou 456 participantes, incentivava a competição entre eles exibindo o aumento de US$ 10 mil no prêmio a cada pessoa eliminada ao longo das dinâmicas, até chegar ao valor final de US$ 4,56 milhões, o maior prêmio da história já concedido nesta categoria televisiva.
Em ambos os casos, é visível o dilema dos competidores entre o sentimento de luto pela perda de colegas de convivência e a empolgação por estarem mais próximos do grande objetivo do jogo. Para entender esses efeitos nos participantes, Pedro Bernardi, psicólogo e professor do curso de Psicologia da UniRitter, explica o movimento social natural nessas competições. “Considerando que é um jogo, as pessoas cumprem uma função inicial de proteção, formando grupos, e depois, enfim, seguem o motivador individual, que é ganhar o prêmio”, comenta o especialista.
Diferenças entre BBB24 e Round 6: O Desafio
Para explicar porque as reações dos competidores de cada programa são diferentes ao acompanhar o crescimento do prêmio nas eliminações, o psicólogo ressalta que é importante compreender como os relacionamentos são estabelecidos nos dois contextos. “O Round 6 é uma competição com pouca durabilidade de tempo e vários jogos somados em um intervalo curto, então os grupos são imediatos”, analisa Bernardi. Já no contexto do BBB24, o professor ressalta que é possível haver “um luto temporário”. Segundo o especialista, “como é um tempo maior, os vínculos que se criam ali podem ser mais genuínos”.
Considerando essa distinção entre as relações, é possível notar como o mecanismo de mais dinheiro a cada eliminação possui intensidade diferente de motivação em cada competição. “Dentro da disputa no Round 6, as eliminações tornam o ambiente mais excitante para os participantes”, considera Bernardi, “enquanto no Big Brother, essas eliminações vão sendo elaboradas de uma maneira mais pessoal e imersiva”.
Efeito da perda de participantes no BBB24
Nesta semana, a perda do participante eliminado foi sentida especialmente por Giovana Pitel, que era a amiga mais próxima de Rodriguinho na casa. Abalada pela eliminação, a competidora não deixou que outra pessoa dormisse na cama que estava sendo usada por ele até então, justificando que ela e Fernanda estavam de luto pela ausência do colega de quarto.
Esse momento de tristeza por uma perda temporária condiz com a análise do professor do curso de Psicologia da UniRitter. Segundo ele, “no Big Brother, eles compartilham intensamente desse isolamento e a perda da conexão com as outras pessoas gera um sofrimento e uma angústia”. Além disso, no decorrer do programa, a grande diminuição da quantidade de pessoas na casa também afeta psicologicamente os jogadores. “Quanto menos pessoas, mesmo que os competidores estejam mais próximos da premiação, os dias se tornam cada vez mais monótonos”, observa Bernardi.
Recursos para captar audiência
Assim como a dinâmica de aumentar o prêmio a cada jogador eliminado, esses desconfortos acabam fazendo parte da rotina dos participantes tal qual momentos pensados para acabar com qualquer possível monotonia do dia-a-dia. Segundo o especialista, esses seriam recursos para movimentar a convivência da “casa mais vigiada do Brasil”, tornando-a mais atrativa.
A exemplo disso, o método de como é estabelecido o valor da premiação do Big Brother mudou para o formato atual há um ano. Nesse período, o programa também garantiu novos recordes de maior premiação em um reality show brasileiro. Na edição atual, a quantia pode chegar a R$ 3 milhões. Esses seriam alguns dos mecanismos de inovação da fórmula de entretenimento do programa que perdura desde sua primeira edição, em 2002.
O professor de psicologia comenta que a implementação de dinâmicas que intensificam a competitividade tem o intuito de chocar os participantes, prendendo a atenção do público. Segundo Bernardi, “a ideia é provocar essa certa aversão ou gerar essa animosidade inicial nos concorrentes, entendendo que isso vai fazer com que eles se sintam ameaçados e só tenham duas opções: luta ou fuga”.
Então, se de um lado há a intenção dos produtores do reality show em gerar mais conflitos, do outro lado da tela há um público que movimenta essa demanda. O psicólogo analisa esse hábito de consumo de entretenimento como “um certo fetichismo com o programa” e quanto mais conflituoso mais instigante é a espiadinha. “A relação de quem acompanha o programa se estabelece no poder espiar, poder saber da vida privada de cada um dentro de um espaço público e poder ficar 24 horas conectado no pay-per-view”, comenta o especialista. Bernardi analisa, ainda, que esses desejos da audiência são motores importantes para os recursos usados no reality.
Nesse sentido, o especialista comenta sobre as intenções do programa ao estrear novas dinâmicas: “as pessoas que escrevem o que vai acontecer lá dentro talvez podem ter esse deslocamento de usar um lado um pouco mais sádico para tentar criar um tipo de conflito, porque sabem que isso gera um interesse do público”, salienta.
Dinâmica de destruição de cartas familiares
Entre os novos processos utilizados para movimentar as emoções dos participantes, estreou nesta edição do BBB o quadro Sincerão, ocupando as noites de segunda-feira no horário que antes era denominado “Jogo da Discórdia”. Apesar de um formato mais rápido por envolver menos competidores na atividade transmitida ao vivo no programa, as dinâmicas são parecidas com as que já eram realizadas no antigo quadro.
A prática de maior destaque popular até agora foi a do dia 20 de fevereiro, em que alguns dos jogadores tiveram que escolher cartas escritas por familiares de outros participantes para colocar em um triturador. Os competidores ficaram abalados durante e depois da atividade. No momento do programa ao vivo, a emoção dos participantes estava evidente, já que a maioria chorava. Já durante a madrugada, as discussões entre os jogadores sobre o que foi dito duraram horas.
Bernardi analisa que essas dinâmicas estão conectadas justamente à ideia da produção de animosidade. “Há um apelo sentimental, um apelo a aspectos mais afetivos e mais irracionais de movimento grupal”, pontua o psicólogo.
Nas redes sociais, o público se dividiu em uma parte que elogiava o tom mais pessoal da dinâmica e a que repreendia a proposta, chegando a categorizar a ação do programa como uma forma de tortura psicológica com os participantes. Entretanto, o especialista destaca que o movimento não chega a ser caracterizado como qualquer forma de violência. “As pessoas vão para o programa sabendo que ele é assim, existe a permissão prévia dos participantes. Esse tipo de dinâmica produz uma angústia e uma animosidade, mas a palavra “tortura” não se enquadra aqui”, completa o professor.
Sucessos de audiência, seja pelas dinâmicas competitivas ou pela curiosidade do público, tanto o Big Brother Brasil quanto o Round 6: O Desafio já têm suas próximas temporadas garantidas. Ao que tudo indica, as edições futuras devem seguir o mesmo padrão de competição deste ano.